quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

P69 - "Funchal, Um Roteiro Militar a Visitar", artigo publicado na página "Operacional"

Com a devida vénia à página "OPERACIONAL", reproduzimos o artigo "FUNCHAL, UM ROTEIRO MILITAR A VISITAR",  ali publicado no passado dia 27 de Novembro, que diz muito a nós antigos combatentes da CART 2732, madeirenses e continentais.

Aqui fica a reportagem e o convite.

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Por Miguel Machado • 27 Nov, 2019

Depois de quase uma centena de metros nas entranhas do Pico da Cruz que domina o Funchal, descendo por uma escadaria apertada, saímos para o ar-livre e…uma vista espectacular sobre o Oceano Atlântico, as Ilhas Desertas e o anfiteatro natural onde se desenvolve a cidade. Esta vista é um dos trunfos do “turismo militar” que o Exército está a dinamizar no Funchal, através do Roteiro do Turismo Militar.

A antiga Bataria Independente de Defesa da Costa n.º 2 instalada em 1940, no Pico da Cruz, Ilha da Madeira, manteve-se operacional durante a Guerra Fria e só foi desactivada em 1996. Sempre sob controlo militar – ao contrário de muitas outras no Continente – o que a salvou, é hoje um Núcleo Museológico aberto ao público. Autêntica pérola do Património Histórico Militar português do século XX – ao nível do melhor que há no estrangeiro e não há melhor em Portugal – integra o Roteiro do Turismo Militar da Madeira do Exército Português, em desenvolvimento.


Bataria do Pico da Cruz

Além das escolas da Região Autónoma da Madeira esta fortificação do século XX tem outro público específico, maioritariamente anglo-saxónico mas que está a crescer em todo o mundo: os que gostam de história militar. Esta antiga Bataria de Artilharia de Costa aqui instalada em 1940 durante a 2.ª Guerra Mundial para defender o porto e possíveis locais de desembarque inimigo, manteve-se durante a Guerra Fria e esteve operacional até 1996. Está num estado de conservação excepcional.

Durante a 1.ª Guerra Mundial o Funchal foi por duas vezes atacado por submarinos alemães, em 1916 e 1917, os quais causaram avultados danos materiais na cidade, afundaram navios na baía e provocaram nestas últimas acções dezenas de mortos entre os tripulantes e mesmo quase uma dezena de portugueses que numa barcaça abasteciam de carvão a canhoeira “La Surprise”. A reacção portuguesa veio de batarias instaladas no Fortes de São Tiago e da Vigia, mas sem qualquer efeito, as nossas peças tinham alcances inferiores às dos submarinos que bombardearam o Funchal.

Com o início da 2.ª Guerra Mundial em 1939, e logo das operações alemãs no Atlântico, o governo de Portugal decidiu tomar precauções e Salazar mandou elaborar os estudos que conduziram ao Plano de Defesa da Ilha da Madeira que contemplava entre outros aspectos a instalação de unidades de artilharia de defesa da costa e antiaérea.

Esta bataria trata-se de “…uma obra fortificada da Artilharia de Costa, incluindo três plataformas das peças e respectivos paiolins, com galerias de comunicação e órgãos de comando e serviços… …teve a sua construção iniciada em 5 de Julho de 1940, num local escolhido pelo seu perfeito domínio sobre os dois melhores locais de desembarque existentes na Ilha da Madeira: a Baía do Funchal e a extensa Praia Formosa… …139 dias após o inicio da fortificação, em 21 de Novembro de 1940, foi entregue à denominada Bataria Independente de Defesa da Costa n.º 2…”. Aqui foi feito fogo real pela primeira vez logo nesse mês de Novembro de 1940 e embora mantendo-se operacional até 1996, os últimos exercícios de fogos reais com munições calibre 15cm foram algures na década de 70, passando-se depois a realizar tiro com os redutores de calibre 40mm (os quais aliás estão hoje expostos na bataria), sobretudo para evitar causar danos nas construções que cada vez mais iam surgindo no litoral da ilha.

Recebeu três peças Krupp de fabrico alemão, modelo 1898 calibre 15cm, e tem várias galerias subterrâneas com o necessário para ali se viver e combater.

A Bataria tem galerias subterrâneas quer na área das peças quer nos postos de observação/observatório. A guarnição de mais de 100 militares podia ali viver e combater. O edifício do Comando Operacional da Madeira foi ali construído nos finais dos anos 80 do século XX. Mais à direita fica o Regimento de Guarnição n.º 3 que mantém o Núcleo Museológico da Bataria.

Nestas duas imagens é bem evidente a localização escolhida para a sua instalação.

A generalidade dos sectores da Bataria está identificado com legendas ou mesmo quadros explicativos como este em que se mostram imagem da época em que funcionavam junto aos memos locais. Atrás de cada peça havia – enterrados – dois destes paiolins, um para as munições (este) e outro para os invólucros/cargas. O envio das munições para a guarnição no exterior era através daquele orifício na parede com as “calhas de transporte” (na imagem uma com um projéctil amarelo.

Impressiona não só a dimensão de alguns assessórios, como a sua quantidade, e estado de conservação.

Ao longo dos anos a unidade foi guardando mesmo os primeiros assessórios que entretanto foram substituídos/modernizados e assim hoje a panóplia destes artigos é enorme. As munições de 15 cm não eram das maiores – no Continente havia as 23,4 cm – mas ainda assim não são pequenas.

Todo o espaço nas galerias era aproveitado, nomeadamente para colocar os beliches da”guarnição”.

Parte dessas camas são agora expositores onde se estão a colocar os muitos elementos museológicos disponíveis. Em breve estarão protegidos por acrílico.

As galerias até têm espaço muito razoável, permitem andar bem em pé, agora o acesso às peças é mesmo exíguo e requer cuidados.

Ao contrário do que aconteceu em muitas batarias no Continente que depois de serem desactivadas foram mesmo abandonadas pelo Exército, esta estava junto ao Regimento de Guarnição n.º 3 – criado em 1993, herdeiro entre outras unidades das sucessivas: Bataria Independente de Defesa da Costa n.º 2; Bataria de Artilharia de Guarnição N.º 2; Grupo de Artilharia de Guarnição N.º 2 – e ao edifício do Comando Operacional da Madeira, em 1990.

O Regimento de Guarnição n.º 3 do Exército preservou as armas e mais do que isso, são inúmeros os assessórios desde aparelhos de pontaria a munições (inertes), passando por mapas, camas, telefones, ferramentas e as próprias instalações subterrâneas, e ainda os observatórios, mais acima, também subterrâneos, junto ao Pico, estes em estado de preparação para poderem ser visitados mais atrasados, mas também em óptimo estado de conservação.

Acresce a estas instalações – que já são visitadas – um agradável espaço junto à entrada principal da Bataria onde há por exemplo uma peça antiaérea rodada, calibre 40mm, 39.55T1 (de origem francesa), designada entre nós por M/42 60, está previsto a instalação de um bar e esplanada de apoio ao este espaço museológico.

Aqui está a Krupp 15cm modelo 1898. Atrás da arma, ao centro a pequena porta da escadaria de acesso, e depois de cada um dos lados, as protecções dos orifícios por onde se recebiam os projécteis e os invólucros/cargas.

Ao contrário de muitas outras armas noutras baterias em Portugal – mesmo as que estão cuidadas como a da Bataria da Lage ou do Forte do Alto do Duque – estas não foram (e muito bem!) desmilitarizadas, logo têm todos os seus componentes.

Depois da visita às galerias subterrâneas um passeio pelo exterior para tomar contactos com as enormes peças. Só tubo pesa 5 toneladas e em 1940 o transporte para este local e a sua instalação em tempo recorde – numa construção feita à força de braços – foi uma obra notável.

Estes intercomunicadores do PO para as peças já foram dos últimos melhoramentos introduzidos no sistema de comunicações interno.

Mesmo junto ao Pico, os Observatórios/Postos de Observação fortificados.

Nas galerias interiores dos PO – as camas recolhidas – os equipamentos que permitam transmitir os dados de tiro às armas depois de efectuadas as observações e cálculos.


Cá fora percebe-se bem porque foi este local escolhido!

Junto a esta AA 40mm – que já na entrada da Bataria – será instalado um bar de apoio e esplanada. A vista merece bem!


Bataria do Pico de São Martinho

Um quilómetro a Norte, no Pico de São Martinho, outra bataria agora de Artilharia Anti-Aérea Fixa foi instalada em 1942 também para defesa do Funchal. A vista espectacular e as quatro peças britânicas Vickers calibre 9,4 cm M/40 MK II, estiveram operacionais até 1969, agora também elas têm nova missão a cumprir!

O material Vickers 9,4cm fixo, foi aqui colocado em 1942 e esteve operacional até 1969. Agora está a ser “pronto para revista”, tem nova missão a cumprir!

Esta Bataria está no interior da Unidade de Apoio da Zona Militar da Madeira que veio ocupar este local quando o Grupo de Artilharia de Guarnição Nº 2 foi extinto em 1993. Mais uma vez, o facto da Bataria estar no interior de uma unidade que nunca foi abandonada acabou por garantir a sua preservação. Está em adiantado estado de preparação para receber visitas tendo já as peças sido recuperadas e algumas até já pintadas (inicio de Novembro de 2019).

Não vamos aqui desenvolver a história destas unidades mas não deixamos de assinalar que uma outra bataria antiaérea fixa foi instalada “do outro lado” do Funchal, em Palheiro Ferreiro. O pessoal inicial de ambas as batarias fazia parte de forças expedicionárias enviadas do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves N.º 1 de Cascais.

Segundo alguns autores o material 9,4cm, não só pelas suas características mas também pela localização das batarias podia fazer fogo contra alvos de superfície reforçando a artilharia de costa. O material mais ligeiro e móvel, isto é, as 4cm (como a que vimos no Pico da Cruz) e as metralhadoras pesadas quádruplas de 20mm e 12,7mm (que o RG 3 mantém em depósito para fins museológicos), estava destinado a bater alvos a muito baixa e baixa altitude, e imagino que deverão também vir a ser expostos. As armas de Palheiro Ferreiro viriam a ser desmontadas em 1994.

Além das armas estas batarias incluíam um conjunto de equipamentos, pelo menos parte importante deles (ou todos, não sabemos!) ainda estão em depósito: preditor mecânico; radar, geradores, projectores de iluminação, parabolóides de escuta, altímetros, binoculares, e outros.

A Bataria de Artilharia Antiaérea no Pico de São Martinho e a sua localização relativa no Funchal e ao Pico da Cruz e RG 3.

Os trabalhos estão a correr em bom ritmo, não faltará muito para esta bataria estar pronta a ser visitada.

Da esquerda o Coronel Paulo Vaz, comandante da Zona Militar da Madeira em regime de suplência, Major-General Carlos Perestrelo antigo Comandante da ZMM, Tenente-Coronel Afonso Rodrigues, comandante da Unidade de Apoio da ZMM e um funcionário da firma que está a reparar as armas.

Mais uma vez aqui a localização/vista sobre o Funchal, as Desertas e o Oceano, antes um “factor táctico” a levar em linha de conta, agora é um trunfo turístico.

Dois ou três dias depois de deixarmos o Funchal uma das 9,4cm já estava assim: impecável!


Roteiro do Turismo Militar da Madeira

Estas duas autênticas pérolas do património histórico-militar português do século XX e também da história da 2.ª Guerra Mundial estão incluídas no Roteiro do Turismo Militar da Madeira que está em marcha e que tem uma peça fundamental no pequeno mas bem organizado Museu Militar da Madeira e deverá ainda incluir o Paiol Geral do Funchal, invulgar construção militar cedido à Liga dos Combatentes. Já lá iremos.

Aqui chegados convém lembrar que a oferta turística da Madeira já inclui o Percurso Histórico-Militar do Centro do Funchal da Câmara Municipal do Funchal, em pleno funcionamento. Tem 17 paragens sobretudo edifícios, muitas fortificações que foram militares ao longo dos séculos e inclui o Museu Militar da Madeira (do Exército) na Fortaleza de São Lourenço, onde também se encontra o Comando da Zona Militar da Madeira.

Percurso Histórico-Militar: Miradouro de Santa Catarina; Fortaleza do Ilhéu; Forte de São José da Pontinha; Fortaleza de São João do Pico; Muralhas da Rua Major Reis Gomes; As baterias de Santa Catarina, São Lázaro e Fontes; A Fortaleza e Palácio de São Lourenço; Baluarte Joanino e fontes de João Dinis; Baluartes de Mateus Fernandes; Baluarte do Castanheiro; Baluarte do Governador; Reduto da Alfândega; Portão dos Varadouros; Fortaleza de São Filipe do Largo do Pelourinho; Muralhas da Ribeira de João Gomes; Muralha do Morro da Pena; Forte novo de São Pedro; A Muralha do Corpo Santo; Fortaleza de São Tiago; O molhe de cais de São Tiago; largo de Santa Maria Maior ou do Socorro.

O Paiol Geral do Funchal está neste momento recuperado e tem boas condições para integrar o Roteiro. Está desde 2008 entregue à Liga dos Combatentes que dele cuida e lhe dá uso. Na imagem, à direita, o tenente-coronel Bernardino Laureano, presidente do Núcleo do Funchal, um dos maiores do país em número de associados, que aqui inclui alguns estrangeiros.


Paiol Geral do Funchal

Trata-se de um invulgar edifício, circular, actualmente está em muito bom estado de conservação, foi cedido à Liga dos Combatentes, que utiliza também na sua área várias construções recentes (gabinetes de trabalho, biblioteca, capela, bar, miradouro) mas mantém o edifício principal como espaço polivalente. “…A história deste prédio militar remonta ao princípio do seculo XIX fruto da necessidade de se encontrar uma solução para retirar da fortaleza do Pico toda a pólvora que lá se encontrava armazenada e que constituía perigo para a cidade do Funchal… …concluídas as obras em 1825, conforme ficou inscrito na porta exterior do edifício, sob as armas reais (das poucas que nos edifícios militares escaparam à purga republicana de 1910), acabou por perder utilidade já no século XX com a evolução dos sistemas de armas que obrigou à construção de outros paióis. Passou então a ser utilizado como arquivo da Zona Militar da Madeira…”

A arquitectura do Paiol é digna de registo, o local também, e o seu interior pode bem albergar elementos de interesse museológico. As actividades normais do Núcleo da Liga decorrem em modernas instalações muito bem “anexadas” ao edifício.

Pelas suas características e localização, mesmo que nos pareça o edifício original necessite de alguma definição sobre a sua ocupação, é certamente uma mais-valia se for integrado no Roteiro Histórico Militar.


Museu Militar da Madeira

Nascido nos anos 90 do século XX o museu passou por várias vicissitudes, esteve fechado uns anos, e actualmente podemos caracterizá-lo do seguinte modo. Tem três áreas principais dedicadas, à Madeira no Contexto da Expansão Portuguesa, à História Militar da Madeira e às Fortificações e infraestruturas militares da Região. Do seu acervo podemos destacar: “…uma colecção que diz respeito a peças e morteiros de artilharia, em bronze, de várias origens e épocas, do qual merece lugar de destaque um morteiro em Bronze de grandes dimensões de fundição portuguesa de 1704; outra colecção de armamento ligeiro, composta por várias espingardas e mosquetes de pederneira de finais do século XVII e princípios do século XVIII… … o conjunto arquitectónico da antiga Casa da Guarda, com tectos em abóboda e as magníficas portas originais em madeira de Til, espécie pertencente à Laurissilva da Madeira…”

Factos histórico-militares do século XX na Madeira ou nos quais os militares madeirenses tiveram participação relevante estão aqui lembrados com peças seleccionadas, sobretudo armas, e painéis com fotografias e texto: 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais; Revolta da Madeira em 1931; Invasão do Estado do Estado Português da Índia; Guerra do Ultramar; Missões de Paz.

O Museu Militar do Funchal, na Fortaleza de São Lourenço está aberto ao público e dispõe de áudio-guias em 4 línguas o que julgamos ser inédito no panorama nacional dos museus militares.

Os três principais espaços do Museu foram muito bem adaptados á finalidade e, mais recentemente está a expandir-se para a zona da Cisterna e da cave da Torre Joanina.



Uma única nota menos boa neste museu militar do Exército, a abordagem escrita no painel alusivo à Guerra do Ultramar – com o título “os ventos da história…” – não nos pareceu correcta, carece de algum distanciamento, tem linguagem próxima da usada pelos que nos combateram. Foi uma guerra como tantas outras, não se percebe esta politização. De relevar o facto de mais de 15.000 madeirenses terem combatido em Angola, Moçambique e Guiné.

Trata-se de um pequeno mas bem organizado museu, está aberto ao público com horário e mostra-nos os factos marcantes dos últimos 600 anos de actividade militar na Madeira. Além dos áudio-guias em 4 línguas (português, inglês, francês e alemão) que julgo mais nenhum militar em Portugal tem, dispõe agora de uma sala de “efeitos digitais” (e outros…surpresa!), onde assistimos a filme em 3D no qual em 7 minutos seis séculos de presença militar são apresentadas num registo quase épico, emocionante mesmo, não fugindo aos desaires que também os houve.

Ainda no Palácio de São Lourenço, integrado no Museu mas no Baluarte Joanino foi possível já este ano abrir novas salas ao público, “…permitindo a exposição da evolução da Bandeira Nacional e, desta forma, dar início ao trabalho com o Serviço Educativo do Museu Militar… …expostos alguns quadros que mostram o sistema defensivo do Funchal no princípio do século XIX.”

Fora dos olhares do público mas representando muito trabalho que certamente a seu tempo trará efeitos positivos no conhecimento da História Militar, também visitamos os Arquivos da Zona Militar da Madeira.

Guarda ao Palácio, Pelotão do RG 3 e Banda Militar da Madeira participam na Cerimónia de Arriar da Bandeira Nacional do passado Domingo, 3 de Novembro de 2019.


Uma nota final para um acto com as maiores tradições na Madeira, aos primeiros domingos de cada mês, e feriados, muitos madeirenses e turistas assistem ao hastear e ao arriar da Bandeira Nacional com a Banda Militar da Madeira no Palácio de São Lourenço. Em 2018, Alberto João Jardim, antigo Presidente do Governo Regional resumia assim a sua importância:

“O Quartel-General da Madeira, na Fortaleza de São Lourenço, para além da História acumulada entre as suas paredes e de concretizar a estampa urbana do Funchal, consagra uma pedagogia de Pátria ao longo de sucessivas gerações.
Desde miúdos, com as cerimónias ao domingo junto do seu mastro principal, logo nos fomos apercebendo do Valor e significado da Bandeira e do Hino Nacional, mesmo antes da iniciação escolar.
Bem como, relacionado, intuíamos o significado e a necessidade da Instituição Militar.
Ainda pela mão dos nossos pais, ao primeiro toque de clarim aprendíamos o porquê e o quando do ficar em sentido. Enquanto os carros paravam e as pessoas porventura sentadas, se levantavam. Em tempos de usar chapéu, as cabeças descobriam-se em respeito…”


"Um dia na Zona Militar da Madeira do Exército Português"
© Operacional

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Texto, fotos e legendas: © Operacional
Fixação do texto e edição das fotos: Carlos Vinhal
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sábado, 2 de novembro de 2019

P68 - "Fogos de guerra", por Rosa Maria Figueiredo Quadros, uma esposa que viveu a dura realidade da guerra em Mansabá

Mensagem do Coronel Art Reformado, António José Pereira da Costa, que comandou, como capitão, a CART 3567 em Mansabá, enviada ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, com um poema da autoria de Rosa Maria Figueiredo Quadros (ROMI), que aqui publicamos com a devida vénia à autora:

Camaradas:
Poesia escrita por uma esposa que esteve em Mansabá.
Reparem na crueza da descrição e na sensibilidade da poetisa.
Creio que, nessa altura ainda não tinha 20 anos e tinha um filho de meses. Era mulher de um dos furriéis de Minas e Armadilhas que fazia trio comigo no campo [de minas] de Mamboncó.

Isto refere-se também a um "ataque ao arame" [em Mansabá] no qual os "rapazes do PAIGC" incendiaram 21 moranças e ela não soube do filho durante alguns minutos...
Enfim, alegrias

Um Ab.
António J. P. Costa

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FOGOS DE GUERRA

Trovoadas...
Fogos-de-artifício riscando o céu.
Aflição, aquele espectáculo de fogo.
Labaredas, chamas vermelhas
disparadas numa noite de breu.
Trovoadas...
E eram os sons, as saídas...
Os rebentamentos, distantes...
Ou tão perto como um toque
Que te enchia de pavor...
Deu-se o estrondo e os estilhaços
Já entravam pelas frestas das janelas...
Trovoadas...
Na terra, surgindo do nada
Trazendo o caos e o medo
Num cenário de luto e tragédia...
Episódios de guerra.
De relatos, de vivências inesperadas.
Homens que saem para o mato...
Para matar, para morrer.
Tudo lhes pode acontecer!
Saem “para as minas” os que as têm
no seu caminho, no seu destino!
E o destino levou pernas...
O destino levou olhos...
Levou vidas mal vividas!
No caminho, perdeste a esperança,
nasceu-te o medo e ganhou raiz...
Foi uma dor que ainda teima em doer,
como te doeu a distância,
como te doeu o medo
como te doeu a solidão.
Como te dói a certeza que hoje tens,
A certeza de que o teu sacrifício
Não fez crescer o teu país
Como quiseram que acreditasses.
Perdeste o sonho...
Perdeste o tempo de sonhar...
E nem viste as trovoadas...
Os raios e os trovões que
A natureza te quis mostrar.
Mas tu não, tu nem as viste.
Não viste o seu encanto,
Os seus raios de mil cores
Riscando o céu de madrugada.
Não viste como naquela terra
Em que só a guerra era triste,
Eram belas as trovoadas.

Romi
(Rosa Maria Figueiredo Quadros)

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terça-feira, 10 de setembro de 2019

P67 - In Memoriam: Falecimento, no mês de Agosto, do nosso amigo e camarada de armas, ex-Alferes Miliciano Manuel António Casal

A notícia chegou ontem abruptamente ao meu conhecimento por intermédio do Francisco Baptista, comandante do 4.º Pelotão, que tentou contactar o Casal. Atendeu-o a esposa que lhe deu a notícia do triste desenlace, ocorrido há sensivelmente três semanas.

Eu tinha contactado telefonicamente o Casal por alturas do Natal, como fazia habitualmente, tendo ele referido que tinha sido submetido a uma intervenção cirúrgica. Como me disse que o pior já tinha passado, sinceramente não dei muita importância à situação. Longe de imaginar que afinal a coisa era muito complicada.

A sua esposa, filhas, netos e demais familiares, aqui ficam as mais sentidas condolências dos seus camaradas da CART 2732.

O Alferes Casal era mesmo um bom homem, respeitador e cordial. Comandou a nossa CART nos momentos mais complicados sem virar a cara à luta e à responsabilidade que lhe caía, a cada passo, sobre os ombros. Se bem me lembro, tivemos 6 capitães como Comandantes de Companhia, sendo que nos intervalos era o Casal que assumia o comando, sempre pronto para o que desse e viesse.

Aqui fica a nossa homenagem póstuma com algumas fotos que o recordam:

Cais do Funchal, 13 de Abril de 1970 - Desfile da CART 2732 antes de embarcar no navio Ana Mafalda com destino à Guiné. À direita da foto o Alferes Miliciano Manuel Casal que comandou a Companhia logo no embarque.

O Alf Mil Manuel Casal, ao centro, junto do Furriel Enfermeiro Luís Marques

Quartel de Mansabá - Messe de Oficiais - Abril de 1971 - Na festa de aniversário do Cap Mil Jorge Picado. Manuel Casal, sentado à esquerda da foto.

Arruda dos Vinhos, 2009 - Manuel Casal no encontro do pessoal da CART 2732

Em 2010 - Manuel Casal no ex-GAG 2 - S. Martinho - Funchal - Daqui saiu em 1970 a CART 2732, comandada por ele com destino à Guiné.

Minde, 2018 - Encontro do pessoal da CART 2732 - O ex-Alf Mil Manuel Casal ladeado pelos ex-alferes milicianos Francisco Baptista e Nunes Bento

Minde, 2018 - Manuel Casal cumprimenta a Isabel, esposa do Ornelas.

Minde, 2018 - O ex-Cap Mil Jorge Picado abraça os seus ex-alferes, Bento e Casal. À direita o ex-alferes Baptista

Minde, 2018 - Foto de Família do encontro do pessoal da CART 2732. O ex-Alf Mil Manuel Casal entre o ex-Alf Mil Baptista e o Coronel Carlos Abreu.

A devida vénia aos autores das fotos

Carlos Vinhal
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sábado, 20 de julho de 2019

P66 - O "Estatuto do antigo Combatente - Governo às turras com antigos combatentes (João Gouveia, ex-1.º Cabo At Art da CART 2732)



Governo às turras com antigos combatentes

Se ainda há quem tenha dúvidas sobre o desprezo que os sucessivos governos da República têm dado aos ex-combatentes, acabámos de ser confrontados com mais uma abrupta e aberrante decisão que levamos ao conhecimento de todos os colegas que foram obrigados a ir para a guerra, em defesa da Pátria.

O Governo tomou, ontem (17 de julho de 2019), a decisão de suspender a proposta de lei sobre o estatuto do antigo combatente que tinha sido aprovada, pelo mesmo Governo, a 11 de Abril deste ano. Na altura, com base nas informações que tínhamos, pusemos sérias dúvidas sobre a citada proposta de lei que o Governo se apressou a divulgar nos mass media com toda a pompa. Agora que suspende a dita proposta de lei a notícia é dada em letras pequenas e quase invisíveis.

Mas o mais caricato é a justificação que o Governo dá, por intermédio do ministro da Defesa, para a suspensão do que tinha aprovado há cerca de quatro meses. O Governo anula a proposta de lei sobre o estatuto do antigo combatente, anteriormente aprovada, por ausência de “tempo útil” e de “viabilidade”.

Caímos em mais uma emboscada. O Governo anda às turras com os antigos combatentes. Não há o mínimo pingo de sangue de vergonha, brutal desconsideração, com avanços e recuos a todos os títulos inqualificáveis. Felizmente da nossa parte, não estamos à espera do governo (este, em letra minúscula) para viver, mas conhecemos antigos combatentes que têm necessidades.

Pátria e a Nação não fazem parte do vocabulário político actual, são menoridades para duvidosa democracia, para políticos e governantes metaforicamente ignorantes quanto à guerra travada em território hostil e frente a guerrilheiros (turras) que só pensavam em matar os jovens militares portugueses.

Não tenhamos ilusões, esta “retirada” da proposta de lei significa um nunca mais. Já passaram 45 anos do fim da guerra no ex-ultramar e a devida justiça não foi feita. Alimentar esperanças é iludir-se e ser traído por quem promete e não cumpre. Cada qual que tire as suas ilações. São muitas as emboscadas psicológicas e dossiers esquecidos nas gavetas do poder. Não brinquem com os Antigos Combatentes… tenham respeito por quem defendeu a Pátria. No mínimo!

João Godim
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terça-feira, 21 de maio de 2019

P65 - In Memoriam: Falecimento, neste mês de Maio, do nosso camarada de armas Isidro Batista Rodrigues Nóbrega


Informou o nosso amigo e camarada de armas José Manuel Rodrigues Vieira que faleceu este mês o Isidro Batista Rodrigues Nóbrega, elemento do 3.º Pelotão da nossa CART 2732.

Mais um camarada que dá por finda a sua comissão de serviço entre os vivos. Que descanse em paz.


O antigos Combatentes da CART 2732 enviam aos familiares do Isidro as suas mais sentidas condolências.
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domingo, 28 de abril de 2019

P64 - Na guerra da Guiné... sem tiros! (João Gouveia, ex-1.º Cabo At Art da CART 2732)

Viatura Unimog da CART 2732, destruída pelo fogo IN na emboscada de 06DEZ71 na zona de Mamboncó, na Estrada Mansoa/Mansabá

Na guerra da Guiné... sem tiros!

O cidadão português Otelo Saraiva de Carvalho, 82 anos de idade, coronel do exército reformado, assume-se como o estratega do 25 de abril de 1974 que derrubou o regime da ditadura. Assume-se e é reconhecido como tal pelos seus camaradas. De Otelo, natural de Moçambique, já muito se disse mas, sempre que fala da guerra e da revolução dos cravos, algo de novo é revelado com inusitada surpresa.

Decorridos 45 anos da revolução, Otelo é convidado pelo “Governo Sombra” da TVI e pela revista “Nova Gente” para recordar os tempos históricos então vividos na guerra e da estratégia que engendrou para derrubar a ditadura. Das comissões que fez na Guiné e em Angola declara que nunca disparou um tiro: ““nunca disparei a minha arma durante a guerra”; “sofri emboscadas, com tiros a passar-me por cima… nunca me deitei ao chão para disparar, levava muitas vezes a arma descarregada”…
Com tais afirmações, apanhou-nos de surpresa, a nós e a milhares de militares que combateram na guerra em África.
Como? Onde? O quê? Sofrer emboscadas e ficar de pé? Não ripostar quando o inimigo (turras) disparava a matar? Com a arma (G3) sem balas? Das duas, uma: ou nunca caiu numa emboscada a valer, daquelas que causam mortes, feridos e carros militares a arder, ou teve a sorte de refugiar-se no capim, atrás de um formigueiro, enquanto os seus camaradas enfrentavam o inimigo, ou nos bombardeamentos ao vulnerável quartel era rápido a refugiar-se num abrigo.

Se Otelo Saraiva de Carvalho participou na guerra na Guiné, mobilizado por imposição, tal como nós e de milhares de jovens, com a postura que agora revelou nas entrevistas aos mass media atrás referidos, teve a sorte que mais ninguém teve. Otelo não foi um combatente, não tem direito a ser considerado “antigo combatente”, sem nada de regozijo, porque, como diz, não combateu.

Da estratégia do 25 de abril, já entramos noutra guerra. O “inimigo” era um regime a cair de podre. Ouve coragem e mérito de todos os intervenientes. Já estamos ao lado de Otelo quando esperava por outro andamento da democracia que veio a ser aprisionada por ideologias e falsas promessas. Tem razão quando recorda o ataque soez de “Manuel Monteiro e Paulo Portas (CDS/PP)… “chamaram-me assassino”. É bom de ver, os dois políticos e muitos outros não teriam lugar na política sem o 25 de abril.

São alegorias de um militar que também esteve na Guiné. Sem balas e sem tiros.
Como em tudo na vida, há vilões e heróis.

João Godim
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