sábado, 1 de outubro de 2011

P34 - Como cheguei a Comandante da CART 2732 (Ex-Cap Mil Jorge Picado)

Com a devida vénia ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, publicamos parte de um texto e algumas fotos que o nosso ex-Comandante, Cap Mil Jorge Picado, enviou para aquele Blogue para publicação.


Como cheguei a Comandante da CART 2732

Por Jorge Picado

Sendo um individualista naquela guerra, uma vez terminada a Comissão do BCAÇ 2885 e, por conseguinte ter deixado o comando da CCAÇ 2589, esta sim a minha CCAÇ (ainda que tivesse ficado com a dúvida se os seus nativos me adoptaram ou não) em que permaneci durante 356 dias (24FEV70-15FEV71), apresentei-me no QG em Bissau com uma virtual corda ao pescoço a aguardar o enforcamento.
Ingénuo como sempre, sem conhecimentos pessoais naqueles corredores, quer do QG do CTIG quer do COMCHEFE, mas também sempre avesso a situações de favor (leia-se cunhas), nem o facto de ter encontrado no Clube de Oficiais um Major do Estado Maior mais velho, mas que reconheci por ter feito os estudos secundários no velho Liceu José Estêvão de Aveiro e creio que natural de Albergaria-a-Velha, colocado não sei em qual das Repartições desse QG, nem a ele resolvi recorrer para qualquer arranjinho na minha colocação. Aguardava serenamente que se apiedassem de mim por já ter experimentado um ano de mato e me concedessem o resto da comissão como férias em Bissau.
Mas durante esse período acabei por perder a ingenuidade e expurgar-me das razões éticas ou moralistas sobre as ditas situações de favor. Não tinha aprendido nada com a mobilização de 2 camaradas (do CPC e do ISA) que foram colocados em Bissau, que sempre me deixaram na dúvida, mas com o que ocorreu a seguir, aprendi.
Não tenho qualquer pejo de fazer estas afirmações, porque era o que sentia. O destino obrigou-me a vaguear por aquelas paragens contra a minha vontade. Obrigou-me a desempenhar papéis para os quais nunca senti o mínimo de preparação e muito menos vocação.
Apenas para que possam avaliar estas minhas confidencias acrescento esta nota muito particular. O meu saudoso sogro gastou dois anos a tentar fazer de mim caçador (arte lúdica de que ele tanto gostava, fornecendo-me todo o material em troca apenas da minha companhia nessas andanças) e teve de desistir antes de há terceira aselhice ficar com a filha viúva, mas que ironia, o Governo de então fez-me não só caçador, mas mais… comandante duma Companhia de Caçadores! E esta, hem? Como diria o falecido e conhecido Fernando Peça.

Quem tem amigos assim, não precisa de inimigos
Mas voltemos a Bissau.
Fiquei aboletado, não sei se era este o termo usado, num quarto (daqueles destinados aos oficiais em trânsito, como aliás tinha acontecido quando da minha chegada ao TO) das instalações do Clube de Oficiais.
Nesse mesmo quarto onde pernoitava, por infelicidade… ou talvez não, instalou-se igualmente pouco tempo depois o Capitão X (não me fica bem mencionar o seu nome, ainda que seja daqueles que até hoje nunca esqueci), do Quadro Permanente e Comandante da CART 2732. Como já éramos conhecidos em virtude da actividade do meu período anterior (fundamentalmente desde Novembro de 1970 com a protecção das colunas para Mansabá), naturalmente se estabeleceu o diálogo entre ambos.
Tinha vindo, não para tratar de assuntos da sua unidade, mas para consultas ao HM 241, no intuito, como honestamente me confessou, de tratar da sua saúde.
Assim, pela sua conversa e pelos cantos do Clube lá fui sabendo que havia vagas e até mesmo fora da capital mas num lugar calmo, como naquela época era o CAOP 1 em Teixeira Pinto onde faltava pelo menos 1 Capitão, admitindo eu não ser descabido mais uma vez sonhar com a fuga aos lugares de sofrimento. E o meu camarada de quarto ia-me animando.
Depois de regressarmos das nossas tarefas diárias matutinas, ele da sua deslocação ao Hospital Militar e eu da minha visita ao QG para receber novas sobre o futuro ou acompanhando o Alferes que me tinha substituído na Comissão Liquidatária (CL) da CCAÇ para o ajudar sempre que preciso (a esta distância ainda me causa uma certa indignação a forma como o Exército tratava os individualistas como eu.
Deixei de pertencer à CCAÇ no cruzamento da estrada Mansoa-Nhacra para o Cumuré, onde todo o BCAÇ se instalou até ao embarque, enquanto eu fui directamente para o QG, mas a responsabilidade até ao encerramento da CL continuava a ser minha, como já em Mansabá acabei por constatar!!! Foi outra guerra que tive de travar quase até ao fim da Comissão), era habitual encontrarmo-nos no quarto para uma banhoca antes do almoço e invariavelmente questionava-me:

- Então já tem colocação?
- Não. - Ia sendo a minha resposta.
- E o seu caso? - Indagava eu.
- Vai correndo bem…

A certa altura anunciou-me que para já… seria uma licença para tratamento… não regressando por enquanto ao seu posto…
Enfim, os dias iam correndo, mas como atrás referi esta minha Companhia tinha-me finalmente aberto os olhos, à cautela, e depois de saber quem comandava o CAOP 1 e que se encontrava de férias na Metrópole, abordei o assunto num telefonema para casa. Havia uma possibilidade, desde que um certo intermediário quisesse, de obter aquele lugar em Teixeira Pinto e dessa vez deitei fora todos os escrúpulos do recurso às cunhas.
Afinal não passava dum mero miliciano e sem vocação para tais artes militares e o exemplo do meu camarada de caserna liquidou a minha moralidade.

O Cap Domingos fica a conhecer o seu subtituto
O pior foi no dia 5 de Março, uma má sexta-feira, quando no QG me informaram que tinha sido colocado no DA, além do QO, indo em diligência para a CART 2732 substituir, durante o seu impedimento o respectivo Comandante.
Iam-me caindo os ditos cujos aos pés ao receber logo a respectiva Ordem de Marcha que me meteram nas mãos, para que não houvesse dúvidas.
E eu, que naquela altura já tinha recebido um feed back positivo de que a lança tinha sido metida e a resposta era favorável a uma ida para o CAOP 1, como depois se confirmou. Nem calculam o que mentalmente lhe chamei...
Ao chegar ao quarto e perante a cena do costume, quase sem o encarar só lhe respondi:

- Fui colocado na CART 2732. Sigo amanhã para Mansoa.

Fez-se silêncio. Nem sequer um pedido de desculpa ouvi. Saiu imediatamente como um foguete.
Desapareceu, nunca mais o vi, porque nessa noite não foi dormir ao quarto...
E assim fui comandar durante uns dias a CART 2732.

Junto algumas fotos dessa estadia.

Um abraço
Jorge Picado


Mansabá, 11 de Abril de 1971 - O nosso Capitão Jorge Picado festejou um dos seus aniversários em Mansabá. Nesta foto, da CART 2732, de pé: Alf Mil Bento, Cap Jorge Picado e Alf Mil Rodrigues; à esquerda, sentado no chão, Alf Mil Manuel Casal.

Mansabá, 13 de Abril de 1971 - Dia do batizado da filhota do senhor José Leal. O Cap Jorge Picado à direita da foto

Mansabá, 13 de Abril de 1971 - Dia do batisado da filhota do senhor José Leal. Jorge Picado segura a miúda juntamente com o pai.

Mansabá - Messe de Oficiais no tempo do Cap Mil Jorge Picado, na foto, de pé, ao centro.

(Fotos: Jorge Picado. Legendas: Carlos Vinhal)

Nota de CV:
O Cap Mil Jorge Picado comandou a CART 2732 entre o dia 8 de Março e o dia 29 de Abril de 1971