quinta-feira, 21 de julho de 2011

P32 - Os fatídicos dias 5 e 6 de Outubro de 1970 e a morte do Alf Mil José Armando Couto

Após o recente contacto da neta do nosso camarada Alferes Couto, lembrei-me de reproduzir aqui parte de um texto que publiquei no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné em 18 de Julho de 2006.


Os fatídicos dias 5 e 6 de Outubro de 1970

O Aquartelamento de Mansabá tinha sido atacado na noite de 5 de Outubro. Deste ataque resultou a morte imediata de um soldado milícia e ferimentos ligeiros em alguns militares da nossa CART.

Na manhã seguinte havia que fazer o reconhecimento da zona envolvente, pois o IN esteve muito próximo e normalmente deixava pistas que, de alguma forma, serviam para recolher ensinamentos para futuros ataques. Além de tudo, por vezes, antes de retirar, o IN deixava armadilhas nos itinerários utilizados por nós e pela população.

No dia 6 estava de Piquete o 4.º pelotão, cujo Comandante era o Alferes Couto que tinha, como eu, o curso de Minas e Armadilhas. Do mesmo pelotão fazia ainda parte o Furriel Sousa, também com o curso de minas.

Por motivos óbvios toda a malta se tinha deitado muito tarde e descansado pouco, mas manhã cedo lá saiu o 4.º pelotão para o mato, reforçado com meu, o 3.º, para proceder ao dito reconhecimento.

Decorrido algum tempo após a saída dos pelotões, ouviu-se no aquartelamento um estrondo e quase de seguida, pelo rádio, ouviram-se pedidos de socorro para evacuar um morto e um ferido, vítimas do rebentamento de uma mina antipessoal num carreiro no designado Alto de Bissorã. Saíram imediatamente algumas viaturas para trazerem os sinistrados.

Quando regressaram, traziam o cadáver do Alferes Couto. O ferido era o Alferes Bento, comandante do meu pelotão, que também tinha sido atingido ao tentar socorrer o seu camarada e amigo.

O Alferes Couto era um homem com cerca de trinta anos que tinha sido incorporado com aquela idade quando era tripulante dum navio da Marinha Mercante. Não sabemos a razão de tão tardia ida para a tropa, nem vem ao caso. Sabíamos sim que ele era casado e era já pai. Muito comunicativo, pouco adaptado aos cerimoniais militares, privilegiava o convívio dos soldados do seu pelotão. Lembro-me de, durante o Curso de Minas e Armadilhas na EPE, Casal do Pote, ele passar horas a jogar matraquilhos connosco no Bar dos Praças daquela Unidade. Era um homem simples e superior ao seu estatuto de oficial.

Como operacional na Guiné, julgo que o Alf Couto já tinha neutralizado e/ou levantado algumas minas antipessoais até que chegou o fatídico dia 6 de Outubro de 1970.

As minas PMD6 utilizadas na Guiné eram traiçoeiras e por vezes difíceis de manusear. Algumas com a humidade do solo, porque eram de madeira deterioravam-se, pelo que retirar a espoleta era uma autêntica lotaria. Não se sabe exactamente o que ele pretendia fazer, só se sabe que a determinada altura chamou o Alferes Bento para lhe dar ajuda. Quando este se dirigia para ele, deu-se a explosão que ainda o atingiu.

Eu, que na altura não era operacional por estar impedido na secretaria onde colaborava, no momento em que tudo aconteceu pude acompanhar junto do rádio o desenrolar dos acontecimentos.

Depois de removido o cadáver do Alf Couto e de o Alf Bento ter recolhido à enfermaria para posteriormente ser transferido para o HM 241 [Hospital Militar de Bissau], havia que voltar ao local do incidente para continuar a neutralizar as outras minas detectadas.

Recebi então ordem do Comandante da Companhia para avançar e dar continuidade ao trabalho que ficou por acabar. Chegado ao local fatídico, estavam assinaladas duas minas antipessoais guardadas por alguns militares completamente consternados. Ao verem-me, desejaram-me as maiores felicidades.

Assim, comecei por juntar às minas detectadas uns pedaços de TNT, que iriam ser accionados por detonadores pirotécnicos alimentados por cordão lento, porque na altura ainda não dispunha de disparador eléctrico. Claro que isto exigiu que eu andasse por ali às voltas. Examinei tanto quanto pude o terreno por onde iria correr enquanto o cordão ardesse e um local para me proteger quando aquilo tudo explodisse. Pus o pessoal em bom recato, peguei fogo ao rastilho, corri e abriguei-me, esperando pela detonação. Quando esta aconteceu, fui ao local ver o resultado e reparei que, em vez de duas crateras correspondentes às duas minas detectadas, tinha três. Na realidade não havia duas, mas sim três minas, sendo que a terceira não tinha sido detectada e eu não a pisei por mero acaso e sorte. Esta rebentou com as outras por simpatia.
Missão cumprida e retorno ao quartel onde o constrangimento era geral. Ainda estava fresco o cadáver dum camarada, que não veria crescer os filhos deixados em casa aos cuidados da mãe, há apenas seis meses. Tinha acontecido a nossa primeira baixa.

A partir desta data fiquei com a responsabilidade das actividades relacionadas com as Minas na Companhia, porque o alferes substituto do camarada Couto não tinha o Curso de Minas e Armadilhas. Fiz algumas patrulhas em que o meu Pelotão não tomava parte, porque desde que o 1.º ou o 2.º Pelotões fossem passar em zonas minadas ou armadilhadas por nós, era exigida a minha presença ou a do Sousa, meu camarada especialista em Minas e Armadilhas que integrava o 4.º Pelotão.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

P31 - Tivemos notícias da família do nosso malogrado camarada Alf Mil José Armando Couto

1. No passado dia 14 de Julho recebemos esta mensagem da jovem Custódia Couto:

Boa Noite,
O meu nome é Custódia Couto, tenho 26 anos e sou neta do José Armando Santos do Couto.
Como devem calcular, nunca tive oportunidade de conhecer o meu Avô, tal como ele também não teve a possibilidade de conseguir conhecer a última filha dele, que só a viu por fotografia.


Em tempos, eu fiz um trabalho para a escola acerca do meu Avô que me valeu uma óptima nota. Hoje por um devaneio de pesquisas, decidi pôr o nome dele no Google a ver se existiam mais documentos acerca dele na altura em que faleceu e por acaso dei com o vosso blog que me deixou muito emocionada e Feliz.

Posso tentar arranjar-vos uma fotografia do meu Avô para que vocês consigam completar a informação que colocaram dele no blog. Como neta e orgulhosa tanto do meu Avô como da minha Avó, terei muito gosto em vos ajudar.

Para a minha Avó que ainda é viva, saber de uma coisa destas é deixá-la muito Feliz pois sempre teve o meu Avó Zé como um exemplo.
Da união tiveram 4 filhos, a minha Mãe (que infelizmente faleceu este ano vitima de AVC com 47 anos) mais os meus 3 tios, a última fez este ano 41 anos, o mesmo tempo que tem o meu avô de falecimento (comprova-vos que não estou a mentir acerca do parentesco).

Aguardo noticias da vossa parte.

Com os melhores cumprimentos me despeço,
Custódia Couto.


2. Enviei esta mensagem resposta à nossa amiga Custódia:

Cara amiguinha Custódia
Que prazer enorme saber notícias da família do meu camarada Alferes Couto.
Ainda bem que nos escreveu porque não há uma foto do seu avô nos nossos arquivos. Tudo o que tiver dele mande-nos digitalizado para publicarmos no nosso Blogue. Eu sou editor de outro blogue de ex-combatentes da Guiné onde terei o maior prazer de lembrar a memória de seu avô, uma pessoa excepcional, sem o mínimo de jeito para as burocracias militares. Dava-se com toda a gente e não distinguia um soldado de um oficial.

Fizemos os dois a Especialidade na Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas, ele como oficial e eu como sargento. Quis o acaso que fôssemos os dois para o Curso de Minas e Armadilhas na Escola Prática de Engenharia em Tancos e fomos ambos para a Madeira dar instrução e mais tarde irmos na mesma Companhia para a Guiné. Ele era o Comandante do 4.º Pelotão e eu um dos Furriéis do 3.º
O destino foi cruel para ele porque o vitimou com uma mina, e eu que o substituí nas suas funções após a sua morte, nunca esqueci o que lhe aconteceu e tive sempre o máximo cuidado.
Apesar de tudo, por duas vezes, uma das quais momentos depois de ele falecer, me ia acontecendo também um percalço.
Para já fico por aqui, pois não sei até que ponto a avó conseguiu ultrapassar a morte do marido.

Não me lembrava do número de filhos que tinham, pensava serem só dois. A sua mãe faleceu muito nova infelizmente, o que somado ao passado deve ter deixado marcas profundas na sua avó. Se bem me lembro ela era funcionária dos Correios. Ou estou a inventar? Já lá vão muitos anos, mas a imagem do Alferes Couto está bem nítida na minha memória.
[...]
Espero as fotos do avô e as suas próximas impressões.
Desculpe não ter respondido mais cedo.
Muito obrigado pelo seu contacto.

Receba um beijinho deste velho(te) companheiro de seu avô.
À senhora sua avó diga que o marido era querido pelos seus militares e que todos sentimos a sua ausência. Não são palavras de circunstância porque a esta distância dos acontecimentos, não têm razão de o ser.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil da CART 2732
Guiné 1970/72


3. E obtive esta resposta:

Caro Carlos,
Fiquei muito contente de receber noticias suas pois pensei que não tinham recebido o meu e-mail.
É com muito orgulho que vou tentar fornecer tudo o que exista de fotografias para vos poder enviar do meu Avô.


Eu não tive oportunidade de o conhecer em pessoa, mas a minha Avó sempre fez muita questão de nos fazer respeitar todos os valores que o meu Avô um dia deixou na casa dele em Queluz, onde fui criada com muita educação.

A minha Avó, neste momento, encontra-se num misto de emoções, entre a tristeza e a alegria... a perda e o reencontro! Está fraca pela minha Mãe, mas quando lhe disse que o Marido até já tinha sido homenageado após os 40 anos da sua morte, vi-lhe um belo sorriso nos lábios que me deixou ainda mais orgulhosa. Porque se alguém tinha Orgulho do meu Avô Zé, esse alguém sempre foi a minha Avó Zé (Zé também por ser nome de baptismo dela.).

Tenho todo o gosto em tentar enviar-lhe o melhor e por isso vou tentar ser o mais breve possível.

Muito Obrigada pela sua resposta e Muito Obrigada por ter tido o prazer de estar com o meu Avô.

Com todo o respeito me despeço, um beijinho e um abraço,
Custódia Couto.


4. Entretanto recebemos esta mensagem sugestiva do nosso camarada Juvenal Pereira

Razão tem quem diz que a vida, afinal, nunca acaba. É extraordinário o facto de passarem 40 anos sobre a sua morte e alguém - concretamente a sua neta - "ressuscitar" o seu avô, o nosso querido e saudoso Alferes Couto, cujas virtudes não vale a pena aqui pormenorizar, pois o meu amigo Carlos Vinhal já o relatou à neta Custódia com toda a clareza e veracidade.
Se levarmos por diante a iniciativa de para o ano (2012) comemorarmos na Madeira o 40º aniversário do regresso da Companhia 2732, com a presença do maior numero de militares de então (madeirenses e continentais e respectivas famílias) a exemplo do que foi feito o ano passado comemorando a data da partida, muito gostaríamos de contar com a presença da esposa, desta neta ou mais familiares, aqui no Funchal, para que, infelizmente a titulo póstumo, pudéssemos prestar uma singela, mas sincera homenagem, ao homem e militar que foi o Alferes Couto.
Se o meu amigo puder fazer chegar este "convite-sugestão" à "nossa amiguinha" Custódia Couto seria muito bom... se bem que o momento seja particularmente difícil para esta jovem que acaba de perder a mãe prematuramente, a cuja dor me associo, endereçando os meus mais profundos sentimentos de pesar.

Um abraço.
Juvenal Pereira